Escrita acerca do brilho

Exercício Contemplativo 10
Por Ida Mara Freire
Gente é para brilhar e não para morrer de fome. Assim, falou Maiakóviski. E no exercício contemplativo dessa semana, vamos observar o brilho dos corpos terrestres e dos corpos celestes. Comecemos com a leitura:
A TARDE ARDIA COM CEM SÓIS
★ ★ ★
BRILHAR PRA SEMPRE
BRILHAR COMO UM FAROL
BRILHAR COM BRILHO ETERNO
GENTE É PARA BRILHAR
E QUE TUDO O MAIS VÁ PRO INFERNO
ESTE É O MEU SLOGAN
E O DO SOL
O poema do poeta russo Vladímir Maiakóvski me vem à mente ao escrever acerca do brilho. Do brilho desvelado no corpo de quem dança, que observei nos dois festivais que participei durante o mês de julho, uma como espectadora qualificada, ou seja, membro do corpo de jurados e outra na qualidade de mãe espectadora.
O primeiro foi o Festival das APAES, com 30 apresentações de dança e dança folclórica, entre solos, duos e grupos classificados em todo Estado de Santa Catarina. O corpo diferente põe em evidência a singularidade presente em cada ser humano. Faz pensar como uma sociedade, que prima pela a uniformidade e ignora a diversidade, fere com a dor, com o medo, com a rejeição, com a discriminação e com o preconceito. Mas, quando o corpo diferente está em cena, de repente faz brilhar a vida presente na diferença. E a celebração acontece. Os versos da música “Realce” de Gilberto Gil, parecem-me oportunos para descrever essa experiência.
“Não desespere
Quando a vida fere, fere
E nenhum mágico interferirá
Se a vida fere
Como a sensação do brilho
De repente a gente brilhará.”
Em seu livro “Todas as letras”, Gilberto Gil explicita que “Realce” foi escrito em uma época em que ele se introduzira na meditação, entendida como uma arte mais formal e rigorosa de pensar-se e refletir-se, estava interessado nas possíveis traduções da filosofia oriental para o idioma da canção. “Realce” é resultado de um processo profundo e ruminante, um longo trabalho de elaboração e meditação, sendo uma canção sobre o wu wei, termo chinês que significa “ação e não ação”, ou a impotência que se torna potência, ou esgotamento dos contrários nas suas polaridades.
O Festival de Joinville, fez ver as nuances dos brilhos do corpo que dança. Fui para Joinville, como acompanhante de minha filha, e não estávamos sós, e sim, com um grupo de meninas dançarinas, algumas com suas mães e outras não. Fomos de ônibus, fretado e o roteiro foi organizado pela professora de dança da escola. Saímos por volta das oito da manhã e retornamos por volta das duas da manhã. A empolgação de escolher sapatilhas de tantas cores e tamanhos, foi seguida pela visita guiada na escola Bolshoi, onde um jovem dançarino, ao apresentar cada espaço do Bolshoi, incluía ali sua própria corpografia, narrando sutil e, em alguns momentos, divertidamente, seu singular modo de viver a formação em dança. Mas, o brilho do corpo resplandeceu durante as premiações dos melhores, ainda que o lugar que estávamos não favorecia vermos o palco por inteiro, era evidente que, quem ali dançou, muito trabalhou. E nessa noite apareceram novas estrelas na constelação da dança.
E, ainda, falando do brilho dos corpos terrestres, recentemente assisti o documentário intitulado “Nostalgia da luz”, dirigido pelo chileno Patricio Guzmán, que mostra no deserto de Atacama, onde se encontra um dos melhores lugares do planeta para observação astronômica, um grupo de mulheres chilenas procurando os corpos de familiares desaparecidos durante o período de ditadura militar de Pinochet. Com uma impávida lucidez poética, Patricio Guzmán compara essas mulheres com os astrônomos, enquanto eles olham para cima em busca de corpos celestes, elas olham para baixo, vasculham o deserto em busca de corpos terrestres. Nessa investigação acerca dos rastros de luz deixados pelos corpos celestes e terrestres, o filme salienta a importância do brilho da memória, ao demonstrar que as pessoas com alguma memória, vivem no presente, mas, quem não tem memória alguma, não vive em lugar nenhum.
A dança ao fazer o corpo terrestre brilhar, recorda o nosso destino celestial. Afinal,o cálcio encontrado nos ossos, que equilibram nossos movimentos pela vida afora, também é encontrado nas estrelas…
E uma estrela em forma de canção, chega, assim de mansinho, na voz de Vitor Ramil:
Estrela, estrela
Como ser assim
Tão só, tão só
E nunca sofrer
Brilhar, brilhar
Quase sem querer
Deixar, deixar
Ser o que se é…
Para ler e ouvir as canções: “Realce” de Gilberto Gil

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e “Estrela, Estrela” de Vitor Ramil
http://www.vitorramil.com.br/discos/tambong.htm#12
Para ver: filme Nostalgia da Luz de Patricio Guzmán
http://canalcurta.tv.br/pt/filme/?name=nostalgia_da_luz
Para escrever: Os segredos na estrela. Imagina que uma estrela desceu à Terra para te conhecer. Ela conhece todos os segredos do universo e contém em si todas as respostas do mundo. Aproveita para lhe colocares todas as questões que gostaria de ver respondidas, todas as suas dúvidas. Escreve as tuas perguntas e as respostas que ela te daria. Registra no teu Diário as tuas maiores dúvidas, o que sentiste ao escrevê-las e vê-las respondidas e lembra-te que se conseguiste responder é porque as respostas estão, em algum lugar, dentro de ti. ( Sugerido por: Ana Malfada Damião, em seu livro: Escrita Curativa: o poder da escrita na transformação pessoal)