A escrita assim aconteceu: rastros no espaço, traços de paisagens humanas, registros diários em lápis e papel.
Mas, entre o não ver e ser visto – a diferença vivida, estudada seja na cor da pele, na condição feminina, na trajetória espiritual – tornou-se dança, palavra, e hoje se apresenta como palavra dançada. Ida Mara Freire é Pedagoga, Especialista em Dança, no seu mestrado pesquisou a interação mãe-criança, durante seu doutorado identificou a dança no corpo de quem não vê, em seus estudos pós-doutorais, na Inglaterra e na África do Sul, dançou a diferença e o perdão…
Atualmente, além de dedicar-se à escrever e encorajar pessoas na dança da vida, ela é diretora do Potlach Editora e Atêlie de Arte Contemplativa.
Uma Carta sobre minha formação
Aprecio muito o seu interesse de querer saber mais sobre meu histórico. Sou Ida Mara Freire, tenho 59 anos, atuo como escritora, pesquisadora, dançarina, praticante da meditação cristã desde 2004. Assim que aposentei-me como professora aposentada da UFSC, criei em 2018 a Potlach Editora & Ateliê de Arte Contemplativa, onde ofereço meus serviços de mentoria e processos criativos para transformação pessoal.
Os processos criativos que acompanham as mentorias que ofereço para você são frutos de uma longa trajetória de vida e de formação acadêmica que compartilho um pouco com você. Cada passo dessa trajetória foi inspirado em profundas indagações, perguntas e questões existenciais, oriundas de experiências de dúvidas, enfrentamento, traição, violência, perda, luto, resistência, resiliência, determinação, perdão, compaixão, liberdade, esperança, alegria, fé e amor.
Gosto de citar a filósofa Hannah Arendt que diz que: “A compreensão é a maneira especificamente humana de estar vivo, porque toda pessoa necessita reconciliar-se com um mundo em que nasceu como um estranho e no qual permanecerá sempre um estranho, em sua inconfundível singularidade. A compreensão é um processo que começa com nosso nascimento e termina com a nossa morte. […] A compreensão é uma atividade interminável, por meio da qual, em constante mudança e variação, aprendemos a lidar com a nossa realidade, reconciliamo-nos com ela, isto é, tentamos nos sentir em casa no mundo.”
Eis aqui como eu tenho tentado compreender e reconciliar-me com a realidade. Recentemente me formei como Terapeuta T.F.T. Thought Field Terapy (Teoria do Campo Do Pensamento, algumas pessoas conhecem como Tapping ou acupuntura sem agulhas, faço meus cursos com Leandro Percario fundador do Instituto TFT Brazil. Durante os anos 2017-19 fiz os cursos Leverage & Entrepreneurs Leadership Academy, onde aprendi sobre liderança e empreendedorismo feminino com Sage Lavigne, na Califórnia, E.U.A., nesse curso desenvolvi as habilidades de coaching, mentoria, dentre outras.
Realizei alguns anos atrás o sonho de estudar teologia, como um exercício para compreender a minha fé. Entre 2011 e 2012, como Pesquisadora Visitante da University of Cape Town, passei um ano na África do Sul, acompanhada da minha filha na época com 6 anos de idade, onde realizei minha pesquisa de Pós-Doutorado sobre a Dança e o Perdão, e tentando responder a pergunta “O corpo esquece? ”tenho escrito e publicado, ensaios, artigos e contos sobre essa experiência.
Outro Pós-Doutorado que realizei foi na The University of Nottingham, Inglaterra; eu pesquisei sobre as Artes Inclusivas, aprofundando minhas pesquisas que iniciei na Especialização em Dança Cênica na UDESC, tendo como guia a questão “Como uma pessoa com cegueira pode apreciar a dança?” sistematizei a pesquisa, as atividades de ensino e extensão que desenvolvi na Associação Catarinense para Integração da Pessoa com Cegueira, ensinando dança contemporânea para jovens e adultos com cegueira. Pois durante meu Doutorado em Psicologia na USP pesquisando o desenvolvimento de crianças com cegueira, descobri a dança em seus movimentos.
Entre 1989 e 1990 as minhas indagações sobre o desenvolvimento das crianças com necessidades especiais que estudei durante o meu mestrado na UFSCar, me levaram a viver como assistente nas Comunidades L’Arche, Kent, Inglaterra. Meu interesse pelas pessoas com histórias de vida tão distintas me motivaram a fazer minha graduação em Pedagogia Magistério Educação Especial, Unimep.
Penso que o mais importante para mim dessa trajetória é que tudo isso tem uma intenção muito simples: manter vivas, em mim e também nas pessoas que buscam transformações através dos meus processos criativos, algumas características da criança que eu fui: curiosidade acerca do mundo, atentar para as pessoas e cultivar uma alegre esperança.
Espero que as palavras aqui escritas possam abrir caminhos para você sinta-se encorajada em agendar uma sessão online, gratuita, de mentoria. Estou à disposição para quaisquer dúvidas.
Abraço com alegria,
Ida Mara
No fluxo criativo da dança e da vida
A melhor descrição de Ida Mara Freire é o seu sorriso. Sempre com alegria, seriedade e disciplina, ela compreende que a vida é coisa séria, e não perde tempo. “A criação no lugar da falta”, sentencia com sabedoria. Assim o 10º Múltipla Dança – Festival Internacional de Dança Contemporânea justifica a escolha da homenageada do ano, que ganhou um troféu em reconhecimento à sua contribuição no contexto da dança de Santa Catarina. Escritora, educadora, dançarina, diretora, pesquisadora, crítica de dança no jornal Notícias do Dia, no qual escreve desde 2009. Com graduação, especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado em diferentes áreas, como a educação, a psicologia e a dança, ela anda pelo mundo certa de que mais do que os títulos conquistados na academia, o que vale mesmo é o refinamento no trato das questões humanas.
A dança na sua vida
Um pedido do corpo para sair da estagnação, cultivar a flexibilidade, o lúdico, outros modos de mover-se no fluxo criativo da vida.
Atuação como crítica – a escrita
Uma consequência da atitude rigorosa de observação desenvolvida enquanto pesquisadora, acompanhada por uma disposição para elaborar questões, e um amor à literatura, adoro ler e depois disso, ficcionar poeticamente a realidade. O curso de pós-graduação em Dança Cênica, coordenado por Sandra Meyer Nunes na Udesc plantou a semente. Sou muito grata. Muito aprendi com a participação de uma conferência da Associação de Críticos de Dança em Nova York. E tempos em tempos, faço cursos de escrita, continuo estudando e lendo sobre dança, indo aos espetáculos e principalmente dançando.
Crítica e Notícias do Dia
De um lado, a vivência e a escuta atenta dos artistas, criando trabalhos densos, complexos, profundos em alguns momentos solitariamente; do outro lado, o público com suas dúvidas, querendo compreender, apreciar. É difícil apreciar algo que não se compreende. Então, em conversas com artistas durante o processo, e uma escuta atenta das falas do espectador antes, durante e depois do espetáculo, comecei a perceber que havia um espaço entre elas e que a crítica poderia servir como ponte. A proposta foi feita à editora do Plural, na época, a jornalista Néri Pedroso, que aceitou prontamente, e desde 2009, a comunidade da dança da Grande Florianópolis tem tido esse espaço de visibilidade, hoje com a editoria de Dariene Pasternak.
Palavra dançada
Após o estágio de pós-doutorado em Dança, na África do Sul, comecei escrever um texto para o concurso Mulheres Negras Contam Sua História. Com a memória ainda viva e fresca das experiências sul africanas, onde as performances envolvem quatro aspectos: uma estória a ser contada, uma vida a ser dançada, uma canção a ser cantada e, por fim, o sagrado. Comecei a escrever, dançar e escrever, sempre estão interligados para mim, fui percebendo que ao dançar algumas palavras ficavam mais nítidas, mais precisas, seja na descrição de um movimento, ao descrever uma memória corporal. Outras vezes, era o oposto, a escrita exigia um gesto para além das palavras… E assim, o texto Tecelãs da Existência, também é dançado, e assim surgiu a Palavra Dançada.
A dança no corpo de quem não vê
Minha interlocução com as pessoas com cegueira começou quando me mudei para Florianópolis, em 1992, com a ACIC (Associação Catarinense para Integração do Cego), localizada na rua Padre Roma. Então, havia muitas pessoas com cegueira caminhando pelo centro da cidade. Em observação, logo as perguntas vieram. E uma delas é como uma pessoa com cegueira pode apreciar a dança? Tenho ensaiado várias respostas para a questão.
Negritude e militância
“Deve ser legal, ser negão no Senegal”, diz o refrão da canção. Uma das sutilezas mais sublime da diferença que uma pessoa negra, ou de outro grupo étnico, pode vivenciar é quando ela se encontra na condição de estrangeira e consegue distinguir, que a razão que ela está sendo discriminada, não é pela cor da pele. E aí, a filósofa Hannah Arendt, judia-alemã, tem muito a ensinar sobre os processos de reconciliação que começam dentro de nós e, depois, com o mundo. A compreensão, esse processo que começa com o nascimento e termina com a morte, nos ajuda a estar à vontade num mundo, que permaneceremos estranhas a ele. E assim, busco atualizar minha liberdade na condição de ser negra num mundo hostil às diferenças, essa é a minha militância.
Meditação e encorajamento de pessoas na dança da vida
A meditação é um dos momentos que torna a experiência de amor real para mim. Gosto de perceber Deus como um oceano de amor, como aprendi com Rubem Alves. É preciso aprender a flutuar, se entregar à vida, ao amor. Por muito tempo a vida foi para mim, uma luta, as pessoas me viam como uma guerreira. Mas, chegou um momento que aprendi a dançar e não luto mais. Danço a vida e convido as pessoas a perceberem isso, é libertador sair do paradigma da luta e ir para a dança. Hoje o mesmo pé que dança o samba se preciso vai à luta: capoeira.
Raio X
Nascida em Presidente Prudente (SP), signo Touro, divorciada, mãe de Kamile Hannah Freire.
Entrevista Publicada no Caderno Plural, Jornal Notícias do Dia, em maio 2017.