Ekklēsia, Igreja e Comunidade: Os sentidos de um povo em reunião

Por Ida Mara Freire
Resenha
O módulo Teologia Sistemática 5, ministrada pelo professor Antonio Neto, tem como um dos seus tópicos a doutrina da Eclesiologia,   a doutrina da Igreja. Para fins dessa matéria, escolho elaborar uma resenha tendo como ponto de partida a própria definição e aplicação do termo ekklēsia, buscando primeiramente, compreender sua origem, como também explicitar seu uso no Antigo e Novo Testamentos, e por fim,   apreender seu sentido para congregação local, nos dias atuais.
Inicialmente, identificamos que o evangelho de Mateus (16.18 e 18.17) menciona as duas vezes que Jesus usou a palavra ekklēsia. Por exemplo, em Mateus 16: 18-19, notamos que essa expressão não fala de uma organização ou instituição, e tampouco pode ser interpretada em termos da ekklēsia, caracteristicamente cristã, como o corpo e a noiva de Cristo, mas, sim, em termos do conceito expresso no Antigo Testamento, de apresentar Israel como o povo de Deus. A ideia de “edificar” um povo é uma ideia bem presente no Antigo Testamento.
A literatura especializada aponta que a ekklēsia nasceu no Pentecoste, quando o Espírito Santo foi derramado sobre o pequeno grupo de discípulos judeus que seguiam Jesus, constituindo-os como o núcleo do corpo de Cristo. No entanto, os discípulos antes do Pentecostes devem ser considerados apenas embrião da igreja. A ekklēsia não deve ser vista apenas como uma comunhão humana, resultante de uma fé e de uma experiência religiosa comum. É mais do que isso: é a criação de Deus por intermédio do Espírito Santo. O batismo com o Espírito, se apresenta como o ato do Espírito Santo reunindo em uma unidade espiritual pessoas de diferentes origens raciais e formação social, a fim de que formem o corpo de Cristo – a ekklēsia. Por essa razão, só pode haver, na realidade, uma única ekklēsia. Deste modo, essa unicidade da ekklēsia revela o significado teológico de várias extensões do Pentecoste descritas no livro de Atos. O Espírito primeiro veio aos crentes judeus, depois aos samaritanos e dai aos gentios e, finalmente, a um pequeno grupo de discípulos de João Batista. Essas quatro vindas do Espírito demarcam os quatro passos estratégicos na extensão da ekklēsia e ensinam que há uma só ekklēsia, na qual todos os convertidos – quer judeus, quer samaritanos, quer gentios, quer seguidores de João – são batizados pelo mesmo Espírito (Ladd, 2003:492).
O comentarista Millard Erickson (apud Gruden, 1999) argumenta que a igreja não teve início antes do pentecoste pelo fato de Lucas não usar a palavra ekklēsia em seu evangelho, embora ele a utilize vinte e quatro vezes em Atos. Erickson reconhece que a razão de Lucas não usar a palavra ekklēsia para se referir ao povo de Deus durante o ministério terreno de Jesus, foi porque, provavelmente, não havia nenhum grupo bem definido ou visível ao qual ele pudesse assim se referir. A igreja verdadeira existia no sentido de ser um grupo de todos os verdadeiros crentes em Israel durante aquele tempo. Mas, atentamos que uma grande parte da população judaica tinha se afastado de Deus e dado lugar a outras atividades religiosas como, por exemplo, o legalismo dos fariseus, o liberalismo dos saduceus, o misticismo de grupos sectários como da comunidade de Qumran, o materialismo dos publicanos e o ativismo político militar dos zelotes… Ainda que houvesse crentes entre todos esses grupos, a nação de Israel como um todo não constituía uma assembleia de pessoas que adorava a Deus tal como se devia. Embora, a ekklēsia como grupo de todos que criam verdadeiramente em Deus existisse antes do dia de Pentecostes, ela passou a ter uma expressão visível muito mais clara nesse dia, o que parece justificar que Lucas começasse a usar o termo ekklēsia nessa ocasião. Após o Pentecostes, a ideia de um povo de Deus que se mostra como uma assembleia seguidora de Cristo,   tornou-se realidade.
A teologia da igreja pode ser também apreendida quando estudamos o uso que o apóstolo Paulo faz da palavra ekklēsia. Embora, a palavra em seu sentido grego, designa uma assembleia, ou uma assembleia reunida como um corpo político, como descreve At. 19:32, 39. No entanto, na escrita de Paulo, o fundamento do termo é o uso da palavra ekklēsia do Antigo Testamento, um termo bíblico que designa Israel como a congregação ou assembleia de Yahweh. Em consonância com alguns comentadores ( Chafer, 1988; Gruden, 1999) vale salientar que o uso da palavra ekklēsia na Septuaginta, a Bíblia mais usada nesse período, não reflete o sentido da palavra “igreja” no Novo Testamento. Contudo, o uso extensivo da palavra ekklēsia na Septuaginta referindo-se   não às assembleias de massas pagãs, mas especificamente ao povo de Deus, deve ser levado em conta para  se compreender o sentido da palavra quando usada pelos autores do Novo Testamento. Neste contexto, a palavra ekklēsia está sendo usada com a consciência do seu conteúdo semântico no Antigo Testamento. Neste sentido, a igreja do Novo Testamento é uma assembleia do povo de Deus que simplesmente dá prosseguimento ao modelo das assembleias do povo de Deus encontrado em todo o Antigo Testamento. Fica implícito na palavra ekklēsia a declaração de que a igreja é a continuação direta do povo de Deus do Antigo Testamento (Ladd, 2003: 148, 721).
 
Para os dias atuais, podemos apreender que o próprio uso de ekklēsia sugere o conceito que Paulo tem a respeito da igreja como comentam Ladd, 2003:721-22 e Lima: 2015. A congregação local é a igreja; a totalidade de todos os crentes é a igreja. Uma comunidade ou grupo local de cristãos. Isso leva à conclusão de que a igreja não é concebida numericamente, mas organicamente. A igreja universal não é considerada como a totalidade de todas as igrejas locais; antes , “cada comunidade, embora pequena, representa a comunidade total, a igreja”. A igreja local não é parte da igreja, mas é a igreja em sua expressão local. Isso significa que o poder total de Cristo está disponível a cada congregação local, e que cada congregação local funciona em sua comunidade como a igreja universal funciona no mundo como um todo, assim como a congregação local não é um grupo isolado, mas encontra-se em um estado de solidariedade com a igreja como um todo.
Obras Consultadas:
Gruden, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova. 1999.
Ladd, George E. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Agnus, 2003.
Lima, Josadak. Curso de Despertamento Vocacional, Aleluia, 2015.