Partituras Corporais

Partituras Corporais
Por Ida Mara Freire|Foto Cristiano Prim
“Com pouco ou muito esforço, resisto, para não padecer. Resisto para lidar com as múltiplas direções que surgem a cada instante, pois, elas tendem a me levar à estagnação. Então, eu me movo para não estagnar. Eu me movo, é meu modo de resistir. E, por mais que breves desistências façam parte do meu resistir, acima de tudo, eu nunca desisto.” É com essa tenacidade que a bailarina e professora de dança Daniela Alves cria o solo Direção Múltipla, que tem o corpo que dança como fundamento compositivo e constituinte de corporeidade e dramaturgia singulares. O espetáculo, premiado pelo Elisabete Anderle 2013 e contemplado pelo prêmio Funarte Klaus Vianna 2014, está em plena circulação na região norte. Após passar por Rio Branco e Porto Velho, Manaus será a terceira cidade em que, nos dias 27 e 28 de junho, será apresentado o solo no Les Artists Café Teatro e, no dia 29, a bailarina oferecerá para os artistas locais a oficina-demonstração dos diversos princípios de movimentação testados ao longo do processo de criação.
A composição do espetáculo Direção Múltipla, com 50 minutos de duração, foi realizada a partir das partituras corporais propostas de maneira inovadora por colaboradores virtuais. Ao aceitar que o espectador altere a proposição original, Daniela Alves, percebe com mais nitidez a ação momentânea que precede à dança e inusitadamente decide que trajetória seguir. Com isso, configura um espaço privilegiado para o espectador da dança contemporânea participar ativamente do processo de criação coreográfica. O título do espetáculo também transparece na múltipla direção. Adilso Machado, Andréa Bardawil, Jussara Belchior, Valeska Figueiredo, e a orientadora Jussara Xavier enriquecem a pesquisa cênica com seus respectivos traços criativos, que prezam pela incansável e fluida busca de brechas no estado de tensão, fazendo nascer de cada gesto a flexibilidade.
A imagem de uma chaleira no fogão ou os sons avulsos da britadeira estridente, da marreta insistente, do choramingo persistente, a trilha sonora de Fernanda do Canto e Javier Di Benedictis, despertam no corpo de quem a origem do movimento perscruta, um dizer silencioso do não à estagnação. O figurino de Adriana Barreto deixa à mostra coisas que o corpo carrega, nem sempre palpáveis, mas todas visíveis. O olhar de Daniela Alves alcança o público numa dança interior permeada de sutileza e tensão, que não termina com o fechar das cortinas, mas prossegue para o diálogo sobre essa composição de múltiplas partituras. O leitor e a leitora chegam desse convívio à compreensão, que para resistir é preciso se mover, é preciso ceder, assumir breves desistências, mas de fato nunca desistir, de ser livre e quem sabe feliz.
Pós-Doutorado em Dança, Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.
Texto Publicado no Caderno Plural do jornal Notícias do Dia, 24/06/2016.