A fragilidade da promessa

Fotos de Rodrigo Arsego

Ida Mara Freire
Crítica do espetáculo  “Frágil” publicada no Caderno Plural, do Jornal Notícias do Dia, no dia 05 de outubro de 2016.
Na noite de sexta-feira 30 de setembro, no Sesc Prainha, assim que a plateia se instalou, o silêncio e a escuridão ocuparam o espaço. Na penumbra percebe-se a aproximação do vulto de Letícia Souza envolta em enumeras camadas de tule. Tecido leve e transparente de fios de seda ou algodão, que formam malhas redondas ou poligonais extensíveis, comumente usado para embalar promessas dos desejos humanos: proteção de berço de bebê, tutus de balé, véu de noiva, sono sem mosquito. O ato de prometer, nos ensina Hannah Arendt, tem dupla origem: decorre ao mesmo tempo da nossa inconfiabilidade, por não podermos garantir hoje quem seremos amanhã, e da impossibilidade de prevermos as consequências de um ato, numa comunidade onde todos têm a mesma capacidade de agir.
O solo “Frágil”, interpretado pela dançarina Letícia Souza e, dirigido por Anderson do Carmo, contemplado pelo Prêmio Klauss Vianna 2014, emerge do encontro entre uma bailarina com formação clássica e trânsito na dança contemporânea, e um diretor que vem do treino e da disciplina de bailarino do Grupo Cena 11 Cia. de Dança. Ela e ele instalam-se em um terreno envolto da memória da vontade, indagam sobre quais movimentos, percursos, interferências, apontam caminhos ainda não rastreados, de uma dança que é 30 minutos mais longa do que deveria ser para competir.
Parada em cena, está Letícia Souza com suas pálpebras fechadas, que desabrocham em sincronia com a ascendente luz âmbar, feitura singular da iluminação atenuada por Flávio Andrade. Em seu lento caminhar carrega no casulo móvel a promessa de metamorfose. Um som dissonante trinca a vitrine imaginária que separa o olhar do espectador, da cena bucólica da noiva bailarina, que se curva diante da leveza insustentável de sua vestimenta, tramada por Karin Serafin. A temporalidade é, assim, estilhaçada pela sonoridade de Dimi Camorlinga, gerando confronto na atitude do espectador diante da ação de acomodar-se na cena da dança interior ou incomodar-se com o ruído estridente exterior. A ambiência cenográfica de Marcelo Mello, composta de escombros, restos, sobras de madeiras, telhas, poeira, espelhos em pedaços – evidencia a tênue fronteira entre o fim e o começo de um caminho.
“Frágil“ interroga se a solidez da resistência está escondida entre os escombros da facilidade; se o tule da delicadeza protege quando se cai no erro; e por quanto tempo se segue silenciosamente uma trilha ensurdecedora. Nessa dança pautada na lógica do fragmento, a coerência interna ocorre entre a entrega da dançarina e o acolhimento ou a sisudez da plateia. Uma dança que é uma pergunta e não uma resposta, lembra-nos sobre a fragilidade do caráter das promessas: serem pequenas ilhas de certezas num oceano de incerteza.