Contando as Palavras

 
O espaço da escrita em um jornal se define muitas vezes pelo número de palavras ou caracteres. Mas o leitor e a leitora reconhecem que escrever não é meramente a resolução de uma operação matemática, exige um outro tipo de exatidão: a de buscar um novo sentido.
Ao colaborar com o Caderno Plural, do Jornal Notícias do Dia, acerca das experiências da dança na contemporaneidade, a escrita desvela-se como um espaço de criação de sentidos para quem escreve e para quem lê. A leitora Marisa Dionísio comenta: “É muito bom poder ler ensaios tão bem escritos com tanta propriedade sobre a dança. É uma construção maravilhosa de apreciação dessa arte para um público mais abrangente em um jornal diário. Eu como dançarina e amante de vários tipos de dança me sinto presenteada por essa leitura gostosa e tão informativa.”
O novo é extraído da transformação de sentido que se dá entre o dançarino, a sua dança e a plateia. Escrever acerca da dança aqui na sua totalidade, mais do que se diz palavra por palavra, trata-se de lançar o leitor em direção ao que apreendi e que ele ainda não compreendeu ou de orientar-me, eu mesma em direção ao que vou compreender a medida que escrevo. No espaço vazio e silencioso entre o texto e o corpo de quem lê, a equação matemática dos caracteres contados transfigura-se em dança e o gesto escrito se realiza em movimento dançado.
Nas palavras da coreógrafa Zilá Muniz, doutora em Teatro e diretora do Grupo Ronda: “O papel do crítico, a meu ver, é o de mediador e colaborador que traz um olhar mais especializado sobre a dança que se produz. Neste sentido, aproxima o leitor/espectador da complexidade que é a dança e seus fluxos e qualidades inerentes de cada linguagem, de cada artista e seus procedimentos de criação. Além disso, a crítica por ser uma mediação, como processo é também uma criação que envolve composição e seus intercessores atravessam a linguagem da dança, sendo assim, mais um modo operativo de dançar com as palavras a dança que foi dançada por corpos/bailarinos.”
O olhar que lanço sobre a dança me retorna. A percepção do outro, assemelhada com Merleau-Ponty, tem como habitação o fato de que tudo o que pode me fazer ver só ocorre tendo acesso a minha experiência e entrando no meu mundo, mas que reivindica como testemunha não apenas o que vejo e escrevo mas também o olhar e a leitura do outro. Como artista, a pesquisadora Zilá Muniz salienta a relevância para o seu trabalho e do grupo o artigo/crítica do espetáculo Socorro: “A crítica foi uma ferramenta que nós do Ronda Grupo utilizamos em materiais vinculados a projetos para editais e divulgação do espetáculo. Também nos fez olhar de volta para o trabalho com uma visão distanciada e fresca ao mesmo tempo, como uma inspiração renovada.” É desse encontro entre quem escreve e quem lê que o espetáculo acaba por atribuir um espectador para além da própria dança e as palavras contadas criam um novo sentido no mundo.
Texto publicado no caderno Plural, do jornal Notícias do Dia em 1 de abril 2016-04-04; Agradeço Cristiano Prim, Dariene Pasternak, Marisa Dionísio e Zilá Muniz pela colaboração e parceria.
Ida Mara Freire, pós-doutorado em Dança, Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul. [email protected]